CORPO PRODUTIVO
Fotografia: Inês Correa
Dona Olga leva nas mãos cebolinha plantada na horta ao lado da cozinha.
Fartura - SP, 2009
Dona Olga leva nas mãos cebolinha plantada na horta ao lado da cozinha.
Fartura - SP, 2009
Ainda lá em Fartura na hora do almoço a Dona Olga me perguntou: "o que você fotografa Inês, aquelas fotos que todo mundo vê?".
Eu estava em pé indo em direção ao fogão de lenha e respondi algo do tipo: "não Dona Olga, fotografo o que ninguém quer ver".
Não foi nenhuma piada nem nada e não estava desrespeitando a pergunta dela. Muito pelo contrário. Fiquei pensando que nos últimos tempos tenho perguntado muito pra mim o que devo fotografar, porque e pra que fotografo tanto.
No capítulo 2 do livro A Câmara Clara, Roland Barthes fala que não há foto "sem alguma coisa ou alguém" e questiona de alguma forma os motivos que somos levados a fotografar, ou melhor, a escolher fotografar um determinado objeto ou um instante em vez de outro. E continua seu raciocínio falando sobre a necessidade que há da fotografia de se fazer "tão gorda quanto um signo", ou mesmo de que ela gostaria de ter a "dignidade de uma língua". Estou longe, bem longe disso. Quando ele está falando de uma linguagem ele também está fazendo referência ao como fazer a fotografia estabelecer um padrão tal de comunicação por si mesma que resulte numa imagem muito mais complexa, mais abrangente. O "como" nem vai pro título porque ainda está ou não por vir nas imagens que compõem minhas abstrações.
Quando a Dona Olga me fez aquela pergunta mal sabia ela (ou talvez soubesse) quantas coisas começariam a formigar na minha cabeça. Eu pensei que fotografar ali naquela chácara aquele ambiente e trazer aquela imagem para São Paulo era em primeiro lugar trazer um pouco da lembrança da minha infância...
... mas não era só isso. Depois de ficar por ali vendo aquele casal trabalhando aquela terra com tanta dedicação comecei a pensar no meio ambiente e no que a terra significa pra cada um de nós e o que estamos fazendo nela e dela. A Dona Olga e o Seu Antonio, pais da Neide Rigo, plantam e criam o que comem com respeito, e muito. E no sabor de cada alimento vinha essa "marca".
E quando pensei na "marca" voltei a pensar fotografia. O que, pra que, por que... Como ainda não sei se virá. E pensar Barthes. E senti que tinha que estar lá e trazer pra cá aquela fartura pra que quando a gente acordasse aqui na "cidade grande" lembrasse que é preciso pensar no quanto se consome e porque, no que se consome e pra que se consome e quanto de novo. Assim como cada um de nós que faz imagem também deveria fazer uso do mesmo raciocínio: o que estou fotografando, pra que faço a foto e porque.
E tentando responder melhor a pergunta da Dona Olga, eu achava e acho que o que eu fotografo não importa pra ninguém porque parece que algumas pessoas estão esquecendo os valores, as raízes, o quanto é importante cuidar melhor da terra para melhor viver dela e nela. E que muita gente se importa muito mais com o consumir sem limites e da maneira mais rápida e instantânea do que com o que consumir e pra que e de novo porque.
Não querendo me estender lembrei de um episódio que aconteceu aqui em casa. Moro numa rua movimentada e na frente da minha casa tem uma Dama da Noite que eu sempre peço pro jardineiro podar pra formar uma sombra bem atraente. E o João faz. Eu demoro a podar pra que ela fique bem vistosa. Um dia vinha um homem subindo a rua e levando o filho no ombro. Quando ele passou o menino bateu a cabeça no galho. Eu falei com jeito, meio sem jeito, rindo. Não havia ferido nem nada: "você precisa abaixar um pouquinho pra passar embaixo da árvore quando tem alguém no seu cangote". O homem olhou muito bravo, como se tivesse sido insultado e respondeu quase berrando: "a senhora tem que cortar a árvore".
Pra terminar e procurar uma síntese lembrei que a Neide faz parte de um movimento chamado Slow Food que pretende ir numa direção contrária ao que é conhecido como Fast Food. O Slow Food prega a conjugação do prazer e da alimentação com consciência e responsabilidade a fim de que cada um de nós reconheça "as fortes conexões entre o prato e o planeta". Não é só no setor alimentar que acontece esse tipo de ação e meu desfecho fica por conta de lembrar que na comunicação e nos trabalhos chamados artísticos e culturais existem diversas pessoas elaborando de muitas formas a idéia de ir em direção ao consumo responsável e ao fotógrafo cabe fazer o mesmo usando como ferramenta sua arma que pode atacar ou defender o planeta terra de algum jeito ou de outro.
Eu estava em pé indo em direção ao fogão de lenha e respondi algo do tipo: "não Dona Olga, fotografo o que ninguém quer ver".
Não foi nenhuma piada nem nada e não estava desrespeitando a pergunta dela. Muito pelo contrário. Fiquei pensando que nos últimos tempos tenho perguntado muito pra mim o que devo fotografar, porque e pra que fotografo tanto.
No capítulo 2 do livro A Câmara Clara, Roland Barthes fala que não há foto "sem alguma coisa ou alguém" e questiona de alguma forma os motivos que somos levados a fotografar, ou melhor, a escolher fotografar um determinado objeto ou um instante em vez de outro. E continua seu raciocínio falando sobre a necessidade que há da fotografia de se fazer "tão gorda quanto um signo", ou mesmo de que ela gostaria de ter a "dignidade de uma língua". Estou longe, bem longe disso. Quando ele está falando de uma linguagem ele também está fazendo referência ao como fazer a fotografia estabelecer um padrão tal de comunicação por si mesma que resulte numa imagem muito mais complexa, mais abrangente. O "como" nem vai pro título porque ainda está ou não por vir nas imagens que compõem minhas abstrações.
Quando a Dona Olga me fez aquela pergunta mal sabia ela (ou talvez soubesse) quantas coisas começariam a formigar na minha cabeça. Eu pensei que fotografar ali naquela chácara aquele ambiente e trazer aquela imagem para São Paulo era em primeiro lugar trazer um pouco da lembrança da minha infância...
... mas não era só isso. Depois de ficar por ali vendo aquele casal trabalhando aquela terra com tanta dedicação comecei a pensar no meio ambiente e no que a terra significa pra cada um de nós e o que estamos fazendo nela e dela. A Dona Olga e o Seu Antonio, pais da Neide Rigo, plantam e criam o que comem com respeito, e muito. E no sabor de cada alimento vinha essa "marca".
E quando pensei na "marca" voltei a pensar fotografia. O que, pra que, por que... Como ainda não sei se virá. E pensar Barthes. E senti que tinha que estar lá e trazer pra cá aquela fartura pra que quando a gente acordasse aqui na "cidade grande" lembrasse que é preciso pensar no quanto se consome e porque, no que se consome e pra que se consome e quanto de novo. Assim como cada um de nós que faz imagem também deveria fazer uso do mesmo raciocínio: o que estou fotografando, pra que faço a foto e porque.
E tentando responder melhor a pergunta da Dona Olga, eu achava e acho que o que eu fotografo não importa pra ninguém porque parece que algumas pessoas estão esquecendo os valores, as raízes, o quanto é importante cuidar melhor da terra para melhor viver dela e nela. E que muita gente se importa muito mais com o consumir sem limites e da maneira mais rápida e instantânea do que com o que consumir e pra que e de novo porque.
Não querendo me estender lembrei de um episódio que aconteceu aqui em casa. Moro numa rua movimentada e na frente da minha casa tem uma Dama da Noite que eu sempre peço pro jardineiro podar pra formar uma sombra bem atraente. E o João faz. Eu demoro a podar pra que ela fique bem vistosa. Um dia vinha um homem subindo a rua e levando o filho no ombro. Quando ele passou o menino bateu a cabeça no galho. Eu falei com jeito, meio sem jeito, rindo. Não havia ferido nem nada: "você precisa abaixar um pouquinho pra passar embaixo da árvore quando tem alguém no seu cangote". O homem olhou muito bravo, como se tivesse sido insultado e respondeu quase berrando: "a senhora tem que cortar a árvore".
Pra terminar e procurar uma síntese lembrei que a Neide faz parte de um movimento chamado Slow Food que pretende ir numa direção contrária ao que é conhecido como Fast Food. O Slow Food prega a conjugação do prazer e da alimentação com consciência e responsabilidade a fim de que cada um de nós reconheça "as fortes conexões entre o prato e o planeta". Não é só no setor alimentar que acontece esse tipo de ação e meu desfecho fica por conta de lembrar que na comunicação e nos trabalhos chamados artísticos e culturais existem diversas pessoas elaborando de muitas formas a idéia de ir em direção ao consumo responsável e ao fotógrafo cabe fazer o mesmo usando como ferramenta sua arma que pode atacar ou defender o planeta terra de algum jeito ou de outro.
20 comentários:
Oi, Inês
Lindas fotos, incrível sensibilidade e capacidade de nos fazer viver o momento = ainda mais com o texto = caiu como uma luva nesta manhã chuvosa!
Beijos
Simplesmente genial a pergunta dela.
Aliás já "viajando" essa pode ser a pergunta que abre a justificativa do teu projeto. Olha a metida, nem sabe do projeto e já vai falando.
Mas me pergunto faz tempo que tipo de fotografias quero no meu trabalho?? Como capturar a "alma" do ingrediente, do alimento?? Acho que hoje pouquíssimas pessoas tem esse dom, é só abrir qualquer revista de gastronomia e se vê que esses elementos estão ficando perdidos no meio de produções absurdas.
Oi Inês,já venho admirando suas fotos há algum tempo,que conheci pelo blog da Neide,este teu post para mim é saudoso pois passamos dias maravilhosos em Fartura ,cada vez que vejo alguma referência ao lugar já me bate a saudade,obrigada por compartilhar consaco as tuas impressões tão delicadas,abraço para ti!
"conosco"
Oi Marcos, que prazer ter você por aqui logo cedo. Obrigada pelo estímulo, viu? Bj
Pois é Tati, algumas respostas podem vir em perguntas e em lugares que nem imaginamos. E acho muito importante você se questionar quanto ao tipo de imagem que vai usar. Se você quiser podemos fazer algumas experiências. Lá em Fartura a Neide me mostrou uma revista, a Saveur. Genial. Tem alma por lá. Veja lá no blog dela: http://come-se.blogspot.com/2009/06/o-dia-em-que-o-editor-da-saveur-comeu.html
Obrigada por trocar figurinhas. É sempre muito bom. Bj
Oi Mariângela, não te conheço mas a Neide já me falou de você. Que bom que tivemos essa oportunidade, não é mesmo? Você deve entender bem o que eu estou falando. Espero que volte sempre e que eu um dia te conheça "em corpo presente", bj e obrigada. Seja bem vinda!
Eu acho que vc (com esse seu olhar impossível) vê o que a gente não vê, e consegue fazer com que a gente veja depois, na foto.
Acho que as pessoas se perdem neste mundo fazendo tudo rápido pra ganhar mais tempo pra fazer outras coisas na correria.
Eu era maluca pelos textos do Barthes, daí fui atrás da biografia dele, descobri que ele morreu atropelado por uma caminhonete de tinturaria...um acidente bem idiota.
A vida realmente é engraçada, melhor fazer bem feito e direito enquanto se está por aqui.
bjsbjsbjs e calores neste dia perfeito de frio e chuva
Fotos lindas, texto bacanérrimo.
Sou do tempo perfumado das damas da noite das pequenas cidades do interior.
Acho que o rapaz que se irritou nunca soube o que é isso.
E me lembrei do que escreveu um tal de Friedrich Nietzsche
"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música."
É o que acontece com aqueles que não entendem o viver da Dona Olga e Seu Toninho e que nunca sentiram o perfume de uma dama da noite.
Beijos.
Ana
Bela reflexão!
Oi Inês, também ando me perguntando fotografar o que, pra que, pra que tanto? Ai estou meio tristonha, saio antes do sol nascer e fotografo. Fico tão feliz que por um tempo afasto a tristesa e os questionamentos, e fotografo!
O seu texto trouxe uma história para as fotos e fizeram delas algo muito único. Gostei, beijo.
Oi Inês,tudo em paz? So agora vi o comentario que você deixou no meu blog embaixo das fotos do flickr.
Sabe, eu sempre digo isso, ainda que eu nao seja fotografa e a fotografia para mim é so expressao amorosa mesmo: para fazer uma fotografia bonita nao é necessario fotografar o por do sol na Patagonia, ate porque ai fica facil demais. Acho que fotografia e memoria e sensibilidade. E claro, muita intimidade, quando fotografou os pais da Neide tudo isso esta presente, acho que da rotina podem sair fotos magnificas. Eu gosto de fotos intimas, e sei que por exemplo algumas fotos que fiz aqui em casa de um prato na mesa, um pao meio comido, daqui uns meses quando ja estivermos de volta vivendo no Brasil, vao ser elas, e nao as fotos da torre eiffel e da igreja do sacre coeur que vao encher nosso coraçao de saudade. Mas saudade boa, de quem viveu com prazer mais uma etapa da propria vida.
Abraços
Minha nossa, a muié além de fotografar bonito ainda deu de filosofá bonito! Do jeito que ela vai indo ninguém vai podê com ela! um beijo enorme da sua mana, Maria Sylvia
Oi Elaine, não sei se vejo nem o que não, viu? Mas concordo que a vida é muito curta, deveria ter "parte 2", "parte 3" e muito mais, não acha? Beijo
Resposta pra Ana e pro Daniel
Você viu só Ana? Assim que estamos vivendo em São Paulo. É pra se fazer pensar.
Obrigada Daniel.
Abraço aos dois.
Então Beatriz, sair cedinho pra clicar me faz lembrar os bons tempos que exploramos o Vale. Pena que durou tão pouco, não acha? Vamos marcar qualquer dia uma saída fotográfica juntas? Ah, e não fique triste. Beijo
Oi maninha, que isso. Foi só um intervalo, depois volto ao normal. Bj
Se penso numa imagem pra dizer como percebo a distância que estamos construindo entre nós e nossas origens, penso num monte de feno, imenso, alto, gordo, fofo.
Lá embaixo, tá a gente. Concordemos que de início, ficar envolto por um "fofo de feno" de va ser até agradável: nos passa a sensação de proteção, domínio de um grande todo.
Depois, deve devagarinho, começar a cutucar, mas já que estamos no feno, continuemos no feno.
Um monte de feno, como nosso imaginário assim formulou, tem espaços que nos permite até ver o que está pra fora, mas de leve, pelas frestas... Se forçarmos abriremos frestas maiores, senão -pasmem- até diminuimos as que naturalmente se formaram durante nossa estada.
Nosso mundo contemporâneo virou um monte de feno: é pesado sim , mas parece não ser. É sufucante sim , mas consegue aplacar nossa vontade de estar fora, com frestinhas, frestas e fretonas.
E lá ficamos. Mas reparem, dá pra sair. Mas dá trabalho. E quando colocamos a cabecinha pra fora, nos perguntamos: pra que mesmo que eu quero deixar de ter uma vida supostamente,"fofa"?
Por isso "Inêses, Beatrizes e Tonhas" ficam num movimento louco, de entra e sai, sobe e levanta, mexe e remexe e de tanto fazerem assim , às vezes até se esquecem pq mesmo estão fazendo assim.
É pq não nascemos pra ficar imersos no feno. É pq intuimos que o que vislumbramos pelas frestas é , no limite, o mundo para qual nascemos e temos responsabilidades para com ele.
E como de bobas não temos nada,não paramos de tentar pq vida cutuquenta por vida cutuquenta , é melhor a segunda opção.
Olá Inês,
Que texto maravilhoso, parabéns! Bom, estou cursando o 1º período do curso de Arquitetura, e me encontro em uma situação difícil, pois preciso me questionar em porque fotografar, me desafiar. Seu texto já me deu uma ideia. Obrigada.
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