terça-feira, junho 01, 2010

TEMPO DE ESPERA

Enquanto esperava, a moça da bilheteria contava para uma outra: “A mulher tomou um cafezinho aqui no andar de baixo, entrou no elevador atrás da escada e subiu. Lá tomou outro café, encostou a bolsa perto do terraço, se debruçou para olhar a paisagem e se atirou, antes de qualquer pessoa achar que tivesse que fazer alguma coisa!”.


E continou assustada contando: “Mais de uma vez por ano acontece isso aqui. O marido da minha amiga fotografou. Voce também viu? Que horror! E naquele dia mais tres pessoas se suicidaram. Uma lá no metrô, uma aqui no centro também, na galeria, e a outra não sei onde foi. Ele me contou, o marido da minha amiga. Ele trabalha no corpo de bombeiros.”.



Ines Correa_300510_5763pb


Escadaria interna do Edifício Itália - TD.
São Paulo, 2010
Fotografia: Ines Correa


Enquanto esperava, olhei para a escadaria e imaginei quantas histórias ela teria vivido. Atrás, na frente, em cima, embaixo, ao lado. Sapatos altos, roupas glamourosas. Quanto ela carregou e descarregou. Muitos atravessaram. Pessoas tristes outras alegres. Provavelmente há os que se esconderam do outro lado. Beijos apaixonados. Choros. Angústias. Encontros. Alguns passaram despercebidos. Traições. Desejos guardados. Uns cresceram e se esqueceram da existencia dela. Correrias. Crianças cantando.


Naquela semana a moça carregando a bolsa passou por ela e não mudou sua trajetória. Foi sua última passagem por ali. O que restou dela foi a foto do bombeiro. Ela transfigurada. A escadaria permaneceu guardando na memória muitas lembranças de todos os tempos.

2 comentários:

Lesma de sofá disse...

É triste pensar no que as pessoas sentem antes de se matarem. É triste que a gente não perceba e não possa (ainda que tente) ajudar.
Às vezes é difícil, né?
Por outro lado, nas memórias que os lugares guardam tem lugar pra muita história de alegria e esperança.
Não dá pra ter uma coisa só...hehe
beijão e saudades

Inês Correa disse...

Querida Lesminha, saudades de ti tsmbém. Este ano nem fogueira ainda teve, quem sabe logo. Da morte, ao menos não gostaria que a última foto que restasse de mim fosse a que vai pra um arquivo da polícia ou do bombeiro. Mas nem isso dá pra prever... Fazer o que. Vamunessa! Beijo. Bom te ler por aqui.