sexta-feira, setembro 17, 2010

IMAGEM DESCRITA

"Fotografo o que não quero pintar e pinto o que não consigo fotografar". 
Man Ray (já citei em outro post - Despir-se)


Não sei pintar ou desenhar. A escrita expressa em imagem o que não consigo fotografar. O que não vem relatado em luz direta ou indireta. O que passa em mim ou por mim, diante de meus olhos, mas que não preciso trazer em imagem fotográfica.

O que não quero escrever, por outro lado, trato de fotografar para não escapar, não perder, não deixar de "imprimir" de alguma maneira. 

Como um momento, aquele, quando olhei para o papel que precisava ser preenchido e não conseguia ler. Estava escuro demais. As letrinhas eram muito miúdas. A noite amortecia a visão. Não consegui deixar de dizer o que sentia.

Do outro lado de mim um doce tempo do outro surgiu. Olhou e ofereceu o óculos que tinha acabado de comprar. Comprou logo diversos. Um para deixar no carro. Outro para ficar no "pé da cama". Aquele que iria para o escritório. 

Todos para ver de perto. De bem perto. Para voltar a ter o prazer de poder ler. Porque os demais prazeres - o de encostar na cabeceira da cama, trocar afagos, mirar, sussurrar, despir -, estes não carecem de lentes de aumento.

Naquela circunstância o olho do outro e o meu viam ou deixavam de ver o formulário que precisava ser preenchido. Os olhos só deixavam de ver escritos em letras. 

O óculos não serviu. Foi preciso amanhecer para poder ler o que nem era assim indispensável para o ver. O essencial a vista alcançava.

Na manhã seguinte não era preciso óculos para enxergar. Mas caneta para escrever. A caneta emprestada serviu. O formulário foi lido e rapidamente resolvido.
Diante dos olhos restou na memória a imagem daquela brisa delicada e úmida da noite e do vento fresco ao acordar. 

Esta imagem só gostaria de guardá-la escrita, não fotografada.

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