segunda-feira, maio 23, 2011

REGISTRO VISUAL

Registro fotográfico de um momento de um dia
São Paulo, 2011
Foto: Inês Corrêa



Registro visual de memória pessoal

Existem imagens que vemos que não são fotografias nem filmes ou vídeos. Fazem parte de um momento de um dia depois do outro dentro da memória. Da sua se foi um momento seu. Da minha se foi meu. Mais alguém pode fazer parte desta memória mas muito provavelmente a imagem dela será outra. Mesmo se este alguém estiver ao meu lado pode ver naquele momento algo que não vi porque estava fazendo outro recorte do mesmo instante.

Aquela imagem do meu carro em movimento e você parada na porta do aeroporto acenando ao lado da bagagem é uma imagem que relata valores de um tempo em que ainda se esperava. Você estava sorrindo de uma maneira doce. Lembro daquele casaco caqui que você vestia. Estava frio. Meu carro andava em movimento rápido. Havia outro carro logo atrás de mim pressionando para que eu fosse mais ligeira. Podia vê-la ao lado e no retrovisor a pressão apontava meu pé para o acelerador do automóvel. Você tem esta imagem em você num outro ângulo de visão, o seu vendo meu carro partir comigo, o vidro fechado e eu apressada acenando e sorrindo também.

Você sentada na porta de sua casa ao lado da sua cachorra também sentada esperando que eu partisse acompanhada daquela outra noite fria. Podia ver as duas na espera. Olhavam para mim. Era uma rua sem saída. Na esquina antes de avançar coloquei o pé no breque, abri a janela e acenei para vocês. Você olhou e sorriu, sua cachorra mexeu o rabo. A luz do hall da sua casa formava uma silhueta leve. Podia vê-las, faces ligeiramente sombreada e um fio de luz marcando uma imagem de rosto seu e dela. Você também teve outra imagem que não a minha mas a sua versão de mim aparecendo, parando, abrindo a janela e acenando bem devagar. Sorrisos nos lábios.

Nenhuma destas imagens tem registro fotográfico. Nem para você, nem para mim, nem para ninguém. Os dias eram noites diferentes. E vocês nem eram as mesmas pessoas. Em comum a amizade e o frio de duas noites para todas nós. Nem todas sentíamos da mesma maneira.  Eu estava nas duas cenas e são relatos de despedidas de um tempo em que ainda paramos e esperamos a saída do outro antes de dar as costas. Apesar de este tempo ser agora ainda somos assim. Nossos valores alimentam nossos encontros.

Existem imagens da minha infância e adolescência que também não tem registro para o outro, somente para mim. Uma imagem comum na época em que ocorreu, num tempo em que não se fechava a porta enquanto o outro estivesse diante dos olhos. Minha avó, no portão "filmando" minha saída. Não havia meio. Dizia pra ela, "vó, entre e feche a porta, é perigoso ficar aí sozinha". Ela ficava em pé no portão e não ia para dentro até eu sair e ir embora, sumir de sua visão. Antes, quando era menor via esta imagem do banco de trás do carro de meus pais. Ia acenando no vidro lateral e depois do vidro traseiro do carro podia vê-la ao lado do meu avô que ainda estava ali junto dela. Os dois acenavam e sorriam.

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